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"Para que facilitar se podemos complicar?" penso em mais um momento de nervoso profundo. Já não basta ter que me deslocar de semana em semana para um lugar que em nada mais contribui para meu crescimento pessoal e estar presa em coletivos sem janela, agora os mesmos resolveram ter televisões.
Está bem, não é uma coisa nova. Desde que comecei minhas viagens sem fim esta companhia passa filmes para entreter todos os felizes e contentes passageiros. Mas de uns tempos para cá, o ECAD deve ter caído em cima e começado a cobrar horrores, somente liberando filmes produzidos até 1970 que foram massacrados pela crítica. Não entendo a necessidade de tanto. Setenta por cento dos passageiros dorme antes do primeiro quilômetro de viagem. Vinte por cento leva suas próprias formas de entretenimento e o resto, bom o resto ou bisbilhota quem estiver por perto ou tenta de todas as formas trocar dedinhos de prosa com qualquer coitado com que cruze olhares. Mas isso é discussão para outro dia.
Hoje, especialmente hoje, que a viagem estava o mais próximo do agradável possível, resolvem botar bang-bang, no melhor estilo Tela Class, num volume que dispensaria a necessidade de telefone numa cidade pequena como São Paulo. Por que não ir até o motorista e pedir para diminuir o volume? Pois já houve uma boa alma, com intenções sonolentas, que pediu que o tal fosse feito. Mas nada. Penso em fazê-lo de novo, mas quem garante que minha atitude não seria mal interpretada como pedantismo e provocaria a ira e uma maior teimosia por parte do indivíduo, como daquela vez que pedi que o ar condicionado fosse ligado e acabei indo para casa me sentindo na Sibéria? Não, o melhor era usar outros meios. Estou dividida, porém. Embora simplesmente arrancar os fios das caixinhas de som pareça ser o método mais efetivo, o soco no televisor parece ser o de maior consequências estéticas e morais. Já quase me levanto, decidida a transformar a telinha em cacos sujos de sangue e saliva, pois não pretendia ser mais baixa que o filme no meu discurso inspirado em One Step Closer, eis que o barulho cessa. Será que eu só precisava rezar para que forças maiores desligassem o tal DVD? Quando levanto a cabeça, me dou conta do término providencial da sessão tortura.

Ah! Agradável sensação de quase-vazio sonoro, com a volta dos ruídos dos solavancos e ar condicionado e do MP3, cujo shuffle ama somente a 20 músicas de 538. Finalmente posso dizer, que viagem relaxante!


Mais uma vez estou no famoso expresso da agonia, ainda que hoje possa dizer que o clima do coletivo está bastante tranquilo. É claro que assim que adentrei o cobiçado busão, dei de cara com um senhor quem fez de minha vida um inferno a um ano atrás e que provocou, em partes, a prorrogação desta saga indesejada. Mas nada como um olhar de "Nem te conheço" para minimizar o encontro compulsório. De qualquer forma, encontrava-me desarmada e leve, em minha poltrona, quando me vem uma talzinha com ares de demanda e vocação pra vampiro, "pedir para fechar um pouquinho" minha cortina, com a mão na mesma, forçando-a no meu braço, que estava apoiado no parapeito. E eu, claro, em toda minha tontice, cedi ao pedido da sinhazinha petulante, fechando 75% da minha visão da estrada e céu limpo, de um azul estonteante.


O que sempre, mais do que me irritou, intrigou foi qual motivo levaria alguém a viajar durante o dia, por uma estrada linda e um caminho costumeiramente ensolarado se o tal detesta feixes de luz lambendo sua face e mãos? Estamos protegidos pelo vidro, então nem venha com aquela história de ultravioletas. Pois adoro dormir ao sol, assim como um cachorro pulguento e gordo. Gosto de me espalhar mesmo, ficar com as bochechas vermelhas enquanto escuto à Erykah Badu:

"so can I get a window seat
don't want nobody next to me
I just want a ticket outta town
to look around "

E cada vez que me deparo com essas pessoas (80% do tempo, 90% do coletivo), tenho vontade de vendá-las. Em dias de fúria, talvez cegá-las. De que adianta ter um espetáculo desses lá fora, se o único que te interessa é o seu mundinho? Todo o cosmo esperando para ser apreciado e você, fechando os olhos para ter energia para ver a novela das oito? Se baratas são a prova de que Deus não existe, dias ensolarados seriam a verdadeira antítese. Sou devota à Hélios e nenhum Hipnos ou Hades vai me persuadir.

Sim, de que adianta ter olhos, se a alma está fechada? Da próxima vez, compre uma passagem noturna, pois quem manda em minha janela suono io.

Clashing Worlds



Nunca descançar. Esse é o lema. Por mais que tente fugir disso, o destino dá um jeito de me dar uma rasteira e mais uma vez dou de cara com a dolorida verdade. Nunca encontrarei a paz. Nem sei para que quero a paz. Mas sei que estou no limite. Sem perspectiva de futuro, fujo premeditando formas de acabar com meu "sofrimento" mas tudo o que faço é engolir sapos com ajuda de salgadinhos e porcarias, que servem de adorno para meu estado de espírito. Vejo o tempo escapar-se por meus dedos e não consigo levantar-me e lutar. É como se estivesse muito perto da margem, mas tenho preguiça de vencer a maré e chegar na praia, mas sou covarde demais para parar de nadar. Sei que estou cansada. Muito cansada.


"Goooooooooooooooooooooooooooooool.................. É do Ronaaaaldo!................."


Gente, o que se passa neste ônibus? Será mais um daqueles toques de celular completamente questionáveis e desnecessários?

E esboços de sorrisos podem ser vistos em vários dos rostos desconhecidos pelo coletivo.

"E é gooooooooooooooooooooooooooooooooooooool.... Ele passa, dribla, e chuta direto na área........."


O que eram somente quase-sorrisos, viram risos, abertos, largos, sonoros, como se todos estivéssemos numa conversa íntima e alegre, entre velhos e queridos amigos. Aquela conhecida tensão entre desconhecidos que são obrigados a dividir o mesmo espaço foi interrompida, mesmo que momentariamente por um ato infundado e provável fruto de um desequilíbrio de um dos passageiros. Os presentes ganharam rostos, todos ligados pelo mesmo sentimento. Fazíamos parte de um grupo, unido pelo mesmo motivo. Cada um deixou suas loucuras por um momento, para viver o agora e nos reconhecermos como seres humanos. Pergunto-me se o causador de toda aquela comoção imaginava a reação que provocaria. Inclino-me a pensar que ele estava tão preso a si mesmo, que não se deu conta de que um de seus pensamentos escapara-lhe à boca. É estranho pensar que o paradoxo funcionou perfeitamente em mais essa lição da vida. Não acredito em pensamento coletivo, mas procuramos tanto nossa individualidade que por vezes esquecemos que fazemos parte de uma coletividade. Talvez um pouco menos de egoísmo e mais identidade seria o ideal para a existência de uma verdadeira individualidade. Mesmo com toda a contradição carregada no vocábulo "identidade", devemos buscar sempre o balanço. Pelo menos, é o que penso. Fique à vontade para chegar à sua própria conclusão. Eis a beleza de ser.

Curva de pensamento


Meses, anos se passaram desde meu último contato. Não perdi o mapa e sim decidi queimá-lo, depois de alguns desencontros. De quem foi a culpa, não se sabe. E isso não é relevante. Os resultados de más venturas se deram no abandono total de meu cantinho. Como se as idas e vindas a esse lugar, uma vez tão querido, funcionasse como um freio para os almejos e regalos.

Olhando para trás parece simples ver que nada mudou tanto, mas talvez porque os marcos não foram bem estabelecidos e os ventos do tempo os desfizeram como castelos de cartas. A doçura de cada momento, totalmente desvanecidos pela falta de notícia e interesse desta semi-escritora. Não deixar as memórias no limbo, essa deveria ter sido a maior resolução de fim de ano.

O tempo não permite reprises. Mas sim começos. Inúmeros começos. E de tentativas aqui e acolá, uma história é escrita. Nem sempre tão coesa, lógica ou colorida. Mas sempre ligada por um fiozinho invisível, delicado e de difícil definição. Alguns dizem que é a vida. Outros a esperança. Particularmente, não acredito em nenhuma sem a outra.
Mais do que gêmeas siamesas, tico e teco ou pasta de amendoim com geléia(eca). Direita e esquerda, dependentes incondicionais, de outra forma, simplesmente não seriam. Caminhar com minha dupla dinâmica sempre me reservou gratas surpresas. Esquecê-las é não sê-las. E escolho voltar a ser. Não faço disso um compromisso e sim uma consequência.

Esperar. Viver. Ser. Essa é minha tripla desordenada, sim, porém inseparável.

Messiah


Ah, a frescura na face de não cumprir um dever!
Faltar é positivamente estar no campo!
Que refúgio o não se poder ter confiança em nós!
Respiro melhor agora que passaram as horas dos encontros.
Faltei a todos, com uma deliberação do desleixo,
Fiquei esperando a vontade de ir para lá, que eu saberia que não vinha.
Sou livre, contra a sociedade organizada e vestida.
Estou nu, e mergulho na água da minha imaginação.
É tarde para eu estar em qualquer dos dois pontos onde estaria à mesma hora,
Deliberadamente à mesma hora...
Está bem, ficarei aqui sonhando versos e sorrindo em itálico.
É tão engraçada esta parte assistente da vida!
Até não consigo acender o cigarro seguinte... Se é um gesto,
Fique com os outros, que me esperam, no desencontro que é a vida.

A. Campos


Encostei-me para trás na cadeira de convés e fechei os olhos,
E o meu destino apareceu-me na alma como um precipício.
A minha vida passada misturou-se com a futura,
E houve no meio um ruído do salão de fumo,
Onde, aos meus ouvidos, acabara a partida de xadrez.

Ah, balouçado
Na sensação das ondas,
Ah, embalado
Na idéia tão confortável de hoje ainda não ser amanhã,
De pelo menos neste momento não ter responsabilidades nenhumas,
De não ter personalidade propriamente, mas sentir-me ali,
Em cima da cadeira como um livro que a sueca ali deixasse.

Ah, afundado
Num torpor da imaginação, sem dúvida um pouco sono,
Irrequieto tão sossegadamente,
Tão análogo de repente à criança que fui outrora
Quando brincava na quinta e não sabia álgebra,
Nem as outras álgebras com x e y's de sentimento.

Ah, todo eu anseio
Por esse momento sem importância nenhuma
Na minha vida,
Ah, todo eu anseio por esse momento, como por outros análogos ---
Aqueles momentos em que não tive importância nenhuma,
Aqueles em que compreendi todo o vácuo da existência sem inteligência para o compreender
E havia luar e mar e a solidão, ó Fulana.


Preciso dizer de quem é??